tesourinho deprimente III

Muito me chagaram a cabeça por causa duma longa reportagem da SIC, acerca da Educação em Portugal, que culminou numa entrevista à Reitora Maria Helena Nazaré e ao "nosso" Obama. Pois bem, não vi em directo, não estive presente na Biblioteca da Universidade de Aveiro, mas tive agora ocasião de dar uma vista de olhos nesta potente meia-hora televisiva.

Fica aqui o registo vídeo, os meus comentários estão mais abaixo, com indicação cronométrica das principais pérolas da reportagem:



1) 00'49" - o jornalista José Manuel Mestre, ao entrevistar apenas algumas das pessoas que tinha à sua frente, podia ter escolhido melhor as perguntas e os detentores de mais desenvolvida capacidade retórica; se o objectivo era mostrar que se fazem coisas giras, inovadoras e úteis, ficou curto; fica também aqui um abraço ao Cientista Emanuel*, que não teve direito de antena, para grande pena minha;

2) 04'52" - uma frase digna dum Pulitzer: "Chama-se Counter Strike e é o mais directo concorrente da mesa de ping-pong da C+S de Baião."

3) 09'30" - Veiga Simão tem todo o meu apoio num argumento: foi um crime acabar com o ensino técnico e profissional; a massificação do ensino não devia ter sido feita à custa da oferta educativa, nem todos nascemos para intelectuais, e o facto é que, actualmente, a economia nacional vive à base dos serviços, há balcões bancários em todas as esquinas, mas não há um gajo com menos de 30 anos que saiba arranjar um esquentador;

4) 10'06" - a investigadora do ISCTE, Natália Alves, diz que a Escola Pública está muito melhor do que dantes; correcto, também o meu monovolume a diesel faz uma média de consumo melhor do que um Ford T; tudo uma questão de perspectiva...

5) 13'42" - há ali uma menina que não sabe pipetar!

6) 14'23" - Natália Alves dá-nos mais um ar da sua graça, ao referir veladamente que os cães ladram e a caravana passa, e por muitos defeitos que a Escola tenha, vai-se avançando na produção de conhecimento; de acordo, mas a Escola, no estado em que se encontra, atrasa esse processo (que é normal, até duma perspectiva darwiniana) em vez de o acelerar, que é o que acontece noutros países onde a Escola é encarada de forma diferente; acho que a Ministra da Educação também é socióloga do ISCTE, mas não estou a insinuar nada.

7) 15'30" - o grafismo referente ao PCP mostra o símbolo do PCP;

8) 15'43" - o grafismo referente ao PCP mostra o símbolo da CDU;

9) 17'36" - Joaquim Martins, dono duma fábrica de moldes, queixa-se da falta de profissionais qualificados, que tem de formar através da sua empresa, e parece concordar com Veiga Simão (e eu com ambos); sugere ainda que os docentes universitários estagiem nas indústrias, para entrarem num fugaz contacto que seja com o mundo exterior;

10) 19'15" - o cabelo desta Senhora é espectacular! Catedrática da Física, merece todo o meu respeito a nível académico e científico; tive e tenho muito a dizer, bem e mal, acerca do seu papel à frente da UA, mas aplaudo o discurso e a atitude decidida;

11) 23'10" - começa a foleirada; durante alguns minutos, tentam vender ao telespectador a ideia de que a ciência e a tecnologia envolvem sempre robôs e nomes catitas; é marketing, vá, mas é um pouco enganoso, já que a maior parte do trabalho é de sapa, demorado e, não raro, frustrante; o discurso vinha claramente ensaiado, e este cavalheiro não frequentou nenhum curso de representação; e nisto aparece o Brás a trabalhar no LOPES, e cá vai um abraço para ele;

12) 25'08" - novo momento de marketing, numa casa que, durante alguns milhares de anos, será financeiramente acessível a uma minoria muito restrita; no seguimento do ponto anterior, pergunto-me se não seria melhor a SIC tentar contratar a voz off que assombra o Diogo Infante com correcção ortográfica e gramatical;

13) 29'11" - de novo José Manuel Mestre, rodeado de sumidades como o Prof. Batel Anjo e o Prof. Vítor Amaral; é pena que estes senhores não possam usar da palavra, creio que a UA ficaria muito bem vista só por poder contar com profissionais assim; mas de certeza que ninguém nos vai deixar mal vistos...

14) 29'20" - uma silhueta em segundo plano diz-me que posso estar enganado...

15) 29'24" - José Oliveira, da ESTGA, fala-nos de planos de estudos adaptados, escolhidos pelos alunos de forma a que sejam estes a ter uma palavra decisiva na sua própria formação; infelizmente, das palavras aos actos vai um pedaço, e aqui na UA continuamos um bocado presos, e o paradigma de Bolonha ainda não deu um ar da sua graça; em contrapartida, onde antes havia uma licenciatura de 5 anos com uma determinada propina, hoje há uma "licenciatura" de 3 anos com uma determinada propina e um "mestrado" de 2 anos que sai bem mais caro; mas não estou a insinuar nada...

16) 31'38" - o momento semi-engraçado, semi-embaraçoso, porque o tempo não estica; risadinha contida e educada de todos os presentes;

17) 31'43" - ai...

18) 32'18" - receita para o sucesso: abrir com "atenção que isto é uma universidade nova", depois repetir os lugares comuns já referidos pela maioria dos entrevistados, muito mal alinhavados (mais um a precisar dum curso de representação) e ter um repórter a cagar-lhe na cabeça em directo num canal aberto; a acabar em grande, portanto!

Resumindo, a iniciativa da SIC é louvável, a reportagem podia ter corrido melhor, a UA continua a passar uma imagem bastante boa e por seu próprio mérito, e há sempre alguém que falha na recta final. Tipo o outro cromo que tratou o senhorio por unicórnio e originou um despejo.

* nutro grande respeito e consideração pelo Emanuel, é um divulgador de ciência, gosta de largar foguetes pelo campus, é um apaixonado pela Astronomia, e é com muito gosto que sugiro aos mais curiosos que acompanhem o trabalho dele e do FISUA