Sim, já se falou. Era uma pergunta retórica. Mas voltemos ao proverbial frio bovino:
Comecemos com um disclaimer - Enquanto ex-caloiro, enquanto novamente-caloiro, enquanto membro mais-ou-menos participativo da Associação Académica de Coimbra, enquanto estudante do Ensino Superior e enquanto cidadão, não gosto da praxe académica. Quando digo que não gosto, quero dizer que não me revejo nem nas práticas nem nos valores que lhe são associados, pelo menos na realidade em que me movimento e de que me apercebo, apesar de andar frequentemente distraído. Em boa verdade, parece-me um processo anacrónico, retrógrado e hierarquizante. É sobretudo aqui que bate o ponto: nunca consegui compreender a razão para estar "acima" ou "abaixo" de qualquer um dos meus colegas, com as mesmas qualificações e responsabilidades que eu, por ter realizado a primeira matrícula no Ensino Superior numa bela manhã algures em Setembro de 2004 (lembro-me bem).
Em todo o caso, entre Outubro e Dezembro desse ano, resolvi deixar-me ir na mesma corrente em que via os meus colegas a vogar, e posso dizer que não tirei resultados traumáticos disso: embebedei-me com eles, participei vestido de forma ridícula e inapropriada para o frio e a chuva que estavam no Cortejo da Festa das Latas e não me constipei, apanhei uma penicada de água do Mondego pela moleirinha abaixo e também não me constipei nem fiquei com alopécia, fui a jantares de praxe. Fiz as coisas "como deve ser", ou como me disseram que deviam ser, mas a verdade é que não retenho um único amigo desse tempo, e não devo nada do que conheço da cidade de Coimbra e da Universidade a iniciativas de praxe, a menos que se contem aí as cantinas, que me parece que descobriria bem sem ajuda (e nem sequer tinha de comer com as mãos). Pelo que conheço, salvo honrosas excepções, como várias histórias contadas pelo Simões, acontece o mesmo com a maior parte dos estudantes. Se calhar um ou outro amigo, se calhar um "padrinho" porreiraço que arranje fotocópias - tudo coisas muito válidas, sem dúvida - mas não uma verdadeira integração, não a criação de uma identidade entre os vários alunos da mesma turma/ano/curso.
Há também quem defenda uma certa ideia de tradição secular para defender a praxe académica, e retire daí a sua importância, com (ou sem) Hobsbawm (peço desculpa), na manutenção de uma micro-sociedade, como o meio académico, "saudável", em paz com o seu passado e pronta para construir um futuro; contudo, sabe-se que a praxe académica foi reavivada há bem pouco tempo, em Coimbra, a cidade universitária em Portugal por excelência, e inventada também há pouco tempo, em cidades que nunca tinham tido instituições de Ensino Superior (Leiria, por exemplo). Não é isso que lhe retira legitimidade enquanto tradição, pela mesma razão que o Aniversário da Causa a tem: a História não tem nada que ver com a tradição. Basta aliás olhar, cingindo-me apenas ao que conheço, para a Festa das Latas - inventada no século XIX como celebração do final do ano lectivo, só a partir de meados do século XX é que passou para Outubro, e só a partir de 1979 é que passou a incluir um desfile participado por todas as faculdades; tinha, a certa altura, um carácter marcadamente político e os caloiros levavam com eles letreiros satíricos sobre a Academia, a cidade ou o país, e hoje basta passar por lá para se ver que ninguém sequer se lembra disso. Tudo bem. As tradições mudam sem terem necessariamente de acabar nem de se desvirtuar, e os rituais servem para suspender a ordem social para que esta depois se reponha, com menor probabilidade de alguém tugir contra ela porque, por um dia ou uma semana, ela deixou de se aplicar. Tudo bem outra vez, todos precisamos de nos sentir enraizados a alguma coisa, e escolhemos o que nos dá mais jeito. Tudo bem, mas isto não é desculpa para tudo.
Pessoalmente, pouco faço para parar a praxe porque reconheço o direito à parvoíce dos outros na exacta medida em que espero que reconheçam o meu, que aliás exerço com frequência (estou a escrever isto às 3.45, for instance). Não me assumo sequer como "antipraxe", mas simplesmente como não-participante segundo o velho princípio do não-gosta-não-come, que é aplicável a uma vasta gama de situações. Porém, só posso aplaudir quando se castiga exemplarmente determinados imbecis (ou mentecaptos, ou simplesmente bestas, não posso é deixar de os insultar) por, ao exercerem esse seu legítimo direito, atropelarem os direitos dos outros, e pior que esses, os que os abrigam e encobrem porque "a praxe é assim mesmo, e é assim que tem de ser", e que aliás são os mesmos que vão fazer com que ela se faça proibir. Por mim tudo bem, porque também não vejo problemas em proibir tradições quando elas não só não têm sentido como são pouco menos que bárbaras (voltando a mencionar bovinos: hallo, Barrancos).
E pronto, isto tudo só para mostrar este link. O texto vale a pena ser lido.
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1 comentário:
Isto realmente é uma maneira fácil de ganhar uns trocos... Que nao foram poucos...
Coisas destas não deviam acontecer na linda cidade de Macedo de Cavaleiros... Mas acontecem... É o q dá vir cá parar o vaquedo todo!!!
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