domingo, 11 de maio de 2008

por isso não sou filiado

No jornal Avante! leio um artigo acerca dum referendo autonómico na Bolívia.

Abreviando, pelo que tenho lido, trata-se duma zona muito rica na Bolívia que não está muito à vontade com as nacionalizações de recursos naturais promovidas pelo Presidente Evo Morales, e que pretende resguardar os seus interesses referendando um plano autonómico que possa impedir o Estado de avançar com reformas nessa zona. Parece que isso é ilegal, e que há fraudes no processo.

No Avante! a ilegalidade do referendo e a manipulação de resultados são denunciadas:
A evidenciar a fraude cometida pela reacção estão as provas apresentadas pelo Comité Popular do bairro Plan Tres Mil no próprio dia da consulta. Concentrados nos principais acessos àquela zona da cidade de Santa Cruz, os moradores mobilizaram-se numa manifestação contra o referendo e mostraram perante repórteres nacionais e estrangeiros duas dezenas de urnas repletas de boletins assinalados com Sim.
Os habitantes contaram que quando se apoderaram das urnas como forma de protesto face ao acto ilegal, descobriram que os receptáculos haviam sido previamente recheados de cédulas dando a vitória ao projecto separatista.


Até aqui vou concordando, mais com a substância do que com a forma. Aliás, oponho-me por sistema à manutenção de desigualdades sociais, económicas e outras. Mas a análise descamba num outro ponto:

A sustentar a leitura de Morales está o facto dos dados apurados, quando comparados com anteriores sufrágios, revelarem que a abstenção praticamente triplicou, cifrando-se em cerca de 40 por cento dos quase um milhão de eleitores. A esmagadora maioria dos opositores ao referendo secessionista em Santa Cruz recusou-se a comparecer às urnas.
Acresce, explicou o presidente boliviano, que se a esta percentagem somarmos os 14 por cento obtidos pelo Não, concluímos que, mesmo num quadro de hostilidade extrema, violência física enfrentada pelas forças progressistas, e fraude comprovada, o projecto defendido pela oligarquia «cruceña» para a mais rica região da Bolívia foi, na realidade, derrotado.


A abstenção costuma ser a puta dos sufrágios. Toda a gente faz dela o que quer. Há também as vitórias morais, igualmente populares em Portugal. Isto lembra-me a ressaca do referendo do aborto, em que assistimos a avalanches de desonestidade intelectual em matéria de interpretação de resultados eleitorais. Comentei isto na altura, e volto a fazê-lo, agora com excerto:

Defensores do “não” pedem ao Presidente veto da lei do aborto

A presidente da Federação Portuguesa pela Vida, Isilda Pegado, disse nessa ocasião que os apoiantes do “não” somam três milhões contra a lei aprovada “ilegitimamente” pelo Parlamento, juntando a cada um dos seus votos no referendo o voto de um português por nascer.

“Fomos um milhão e 500 mil portugueses que dissemos não a esta lei. Mas se a nós juntarmos mais um por nascer por cada voto nosso, teremos seguramente mais de três milhões de portugueses”, afirmou Isilda Pegado, em nome dos movimentos do “não”.


A democracia, meus caros, é o sistema de governo que nos faz engolir sapos numa razão de proporcionalidade directa com a distância ao centrão do espectro político. Certos argumentos chegam a ser patéticos. Convém evitá-los a todo o custo para um combate político mais eficaz, e assumo que seja isso que pretendam.

2 comentários:

Anónimo disse...

não se pretende um combate político, muito menos eficaz. aquilo que se pretende, ou pelo menos a minha interpretação daquilo que se pretende (eventualmente estúpida, mal fundamentada ou mesmo desprovida de qualquer sentido), é a estupidez universal aliada a um poder partidário corrupto. Se não fosse democrata quase que podia agora mesmo dizer com toda a certeza que seria anarquista.quase. e por favor que ninguém me cite churchill outra vez. já sabemos e continua a estar podre.conclusão: vou deixar de ler jornais.

Simões disse...

há muito quem pretenda esse debate político, infelizmente os centros decisórios boicotam-no e têm de facto essa agenda.

quem controla quererá manter o controlo, quem é controlado quer mudança. eu sinto-me controlado.