quinta-feira, 22 de julho de 2010

financiamento do ensino superior: estado da arte

Agora que tenho, finalmente, um bocadinho livre para voltar a escrever, quero aproveitar para reunir aqui algumas coisas que li recentemente e partilhar algumas impressões.

O inconcebível retrocesso no acesso ao ensino superior
É sobejamente conhecido que Portugal tem taxas de acesso ao ensino superior que estão muito aquém das que se verificam, não apenas na generalidade dos países da União Europeia, mas mesmo em países que são considerados como menos desenvolvidos. Impunha-se por isso um grande esforço do Estado português no apoio ao acesso ao ensino superior por parte dos jovens portugueses, em nome da superação do atraso nacional e a bem das possibilidades de acesso a emprego qualificado por parte das gerações futuras.

Fez-se precisamente o contrário. As propinas no ensino superior público, que meados dos anos noventa tinham um valor simbólico, estão hoje acima dos 900 euros anuais. Isto nas licenciaturas e nos mestrados integrados, já que nos mestrados não integrados as propinas ascendem a milhares de euros anuais. Acresce que o famigerado processo de Bolonha se encarregou de desgraduar as licenciaturas, fazendo com que a habilitação exigida para o acesso a profissões qualificadas seja o mestrado.

O deputado comunista António Filipe resume aqui o triste estado a que se chegou no Ensino Superior por estas bandas, tocando nas duas questões fulcrais: financiamento e adaptação bolonhesa. Asseguro-vos que estão intimamente ligadas.

Lê-se na Constituição da República Portuguesa, Artigo 74º, nº 2, alínea e):
Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: (...) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;

Ora, até era gajo para acreditar na realização desta incumbência ao ler este título:

Valor das propinas vai baixar pela primeira vez em 5 anos
As propinas vão baixar no próximo ano lectivo. É a primeira vez, nos últimos cinco anos, que os alunos do ensino superior vêem reduzir o valor da propina máxima, que passa de 996,85 para 986,88 euros.

A abismal queda do valor da propina máxima deixa qualquer um estupefacto.
Uma redução de dez euros que resulta do facto de este valor estar indexado à taxa de inflação média do ano anterior e de, em 2009, esta taxa ter sido negativa (-0,8%).

Parece que afinal, isto apenas resulta duma taxa de inflação negativa.
Mas este é também, segundo apurou o Diário Económico, o primeiro ano em que todas as universidades públicas, à excepção de alguns politécnicos, se preparam para cobrar a propina máxima, sendo que no ano passado esta já era uma tendência em quase todos os estabelecimentos de ensino superior.

Parece que, afinal, o cenário não melhorou. A miséria alastra-se.

O aumento das propinas foi justificado como estando vagamente relacionado com o aumento da qualidade de ensino. Foi provado, até à exaustão, que o aumento das propinas serviu apenas para colmatar a desorçamentação por parte dos sucessivos governos, isto é, para pagar as contas.

Houve promessas de que ninguém ficaria de fora do Ensino Superior, desde logo desmentidas pelo aumento do abandono escolar a este nível. É que, perante os custos astronómicos da frequência duma Universidade ou dum Politécnico, restam duas soluções ao aluno: bolsa ou empréstimo.

Os empréstimos para estudos foram introduzidos em Portugal já na era socrática, apresentados como maná do céu apesar de exemplos negativos notórios e defendidos por socratetes histéricas. Ainda é cedo para avaliar o impacto deste sistema.

Quanto às bolsas, as notícias não auguram nada de bom:

Milhares podem perder bolsas
Os alunos do ensino superior que beneficiam de apoio social podem sofrer cortes nas bolsas tendo em conta a nova fórmula de cálculo para a atribuição dos apoios. De acordo com informações divulgadas quarta-feira pelo director--geral do Ensino Superior no Parlamento, pelo menos 25% dos mais de 70 mil bolseiros existentes em Portugal vão perder o apoio ou baixar de escalão. Em causa está a nova lei que vai entrar em vigor dia 1 de Agosto e que torna mais exigente os requisitos para o acesso a apoios sociais.

Entre a linguagem de governantes, oposição, pasquins e blogueiros, já todos ouviram e leram tudo o que podia ser dito e escrito. Vou então tentar fazer passagem esta mensagem, destinada em particular aos meus caros colegas.

Caro colega,

já que de vez em quando te deslocas a uma mesa de voto e exerces o teu dever cívico com os pés, ficas a saber que, se um teu colega de curso/turma/grupo for obrigado a abandonar os estudos por falta de dinheiro, não te esqueças que foi o teu voto no bloco central que ajudou a correr com ele.

Tira mas é a cabeça do cu e ganha juízo. Pára de destruir, directamente ou por interposta juventude partidária, um dos poucos motores de desenvolvimento deste país de merda. O teu país.

Saudações escatológicas,

Simões

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